segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Perder na Democracia dá trabalho

Diante de um país cuja divisão política se materializou muito injustamente em dois candidatos, era inevitável que começassem a surgir opiniões radicais em oposição ao sistema democrático por parte dos insatisfeitos.

Do outro lado, defende-se que a esquerda deve se levantar contra os pedidos de intervenção militar pela troca de regime. Seria um tiro no pé. É importante ressaltar que essa polarização é virtual e injusta: nem todo mundo que votou na Dilma é petista; nem todo mundo que votou na Dilma é de a esquerda; nem todo mundo que votou na Dilma é assim tão democrata; Da mesma forma, nem todo mundo que votou no Aécio é tucano; nem todo mundo que votou no Aécio é de direita; e definitivamente, uma minoria dos eleitores de Aécio são defensores de uma intervenção militar. Fazer essa divisão política polarizar também Democracia x Ditadura só serviria para engrossar essa minoria autoritária, que é contrariada por ambos os lados.

Um dos exemplos mais importantes foi dado por Geraldo Alckmin. A fala da direita derrotada no pleito presidencial - ainda que vencedora nas casas do legislativo - é mais legítima que a fala dos aparentemente vencedores, pois é a eles a quem coube o ônus da democracia desta vez.

Quando Alckmin defende a democracia, por mais relativa e criticável que seja essa defesa pelos argumentos da esquerda, ele fala a muito mais pessoas e com muito mais reconhecimento, vide o apoio expressivo que possui da população, sobretudo entre os extremistas da direita.

É importante que reconheçam que o mesmo sistema eleitoral ora criticado por ter eleito Dilma também garantiu a eleição do governador de São Paulo, do Alvaro Dias, do Serra e do clã Bolsonaro inteiro. E isso só é possível na democracia, ainda que falha.

A voz de Alckmin é importante para trazer para a realidade essa parcela da população - bem menor que a esquerda, mas muito influente - que acha possível privatizar as Forças Armadas Brasileiras para aplicar seu Golpe de Estado.

Que fique claro, este não é um elogio à gestão Alckmin, mas à específica postura que tomou nesta situação limite. É uma atitude tão louvável quanto a dos militares que, mesmo se opondo ao atual governo, se empenham em realizar seu trabalho da melhor forma possível, respeitando a soberania nacional.

Alguém pode dizer que este seria o dever dessas pessoas em um Estado Democrático. E é mesmo, mas quem disse que a democracia não depende de atitudes louváveis? É da voz dessas pessoas, como Xico Graziano, e não de nós da esquerda - que teoricamente estamos satisfeitos com o resultado das eleições, pelo menos do ponto de vista da oposição - que depende o futuro civilizado do nosso país.

domingo, 26 de outubro de 2014

Meus votos.

Primeiro, muito obrigado por se interessar pelo meu voto. Este post sai após o final da votação, mas se possível durante a apuração, por que este não é um pedido de votos, é um pedido por um novo debate. Se quiser, tenho muita vontade de conhecer os seus votos também. Agora sigo:

Hoje votei na Dilma. Para algumas pessoas, essa informação resume o propósito do texto, então poupo-lhes a leitura toda, pra bem ou pra mal. Mas, se voto 13 hoje, não o faço por achar que a candidata petista seja mais honesta que Aécio; nem por achar que ela tenha se portado de forma menos reprovável durante a campanha ou debates; nem por achar que ela venha a ser melhor cônjuge que seu oponente, ou que tenha menos vícios, embora esses temas tenham pautado as discussões sobre a sucessão presidencial de 2014.

É preciso que entendamos que os candidatos são a vitrine de programas de governo, e suas características pessoais, como opiniões, gostos ou vícios pouco influem. Afinal, diante de financiamentos milionários de empresas, de coligações multipartidárias, de uma estrutura de Estado gigantesca (apesar de insuficiente), de um Congresso repleto de interesses conflitantes até mesmo dentro da base aliada, da opinião pública e de tantos outros fatores críticos, acha mesmo que opinião pessoal do presidente tem tanta influencia assim? Óbvio que não, e é isso que nos diferencia de uma ditadura (ainda não nos coloca em uma democracia plena, também, mas já é muito melhor).

Também acho relevante esclarecer que não voto como quem escolhe um candidato que me satisfaça plenamente, tenho muitas queixas à gestão de Dilma, e se ela for eleita, volto já no dia 27 a ser sua oposição de esquerda. Por isso mesmo, voto nela como quem escolhe um adversário. Ou melhor, como quem escolhe um desafio.

Quero dizer, tive o privilégio de acompanhar a luta da comunidade educacional contra o poder político durante a gestão PT. Aprovar o Plano Nacional de Educação 2014-2024 foi uma luta árdua, que levou 7 anos entre elaboração do plano e sua sanção definitiva, enfrentando deputados e senadores conservadores, empresários e economistas que se opunham ao plano elaborado por milhares de trabalhadores da educação, pais e alunos (a quem interessar, ainda tem luta pelos Planos Estadual e Municipal, vá ver).

A longa peleja foi vencida apenas este ano, não sem algumas derrotas. Se o PT continuar no poder, a luta vai ser pelo cumprimento das metas do PNE, pela regulamentação eficiente dessas metas que, repito, foram traçadas pelas pessoas que tem relação direta com a educação e pleno domínio de suas dificuldades, com uma proposta de investimento para o futuro do país. O jogo é duro, mas vimos que é possível vencê-lo.

Já com o PSDB de volta ao poder, não tenho como dizer como esse plano será encaminhado, mas posso analisar o cenário e expor minhas dúvidas. Não é uma cultura do medo, é uma análise simples do cenário que os tucanos oferecem.O primeiro fato é que, a partir do ano que vem, enfrentaremos o pior Congresso em tempos democráticos.  Sei que o primeiro PNE (2001-2011) teve suas metas de financiamento vetadas pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e previa o investimento de 7% do PIB para a área.

Pois bem, o time do FHC era composto em grande parte pelo novo time de Aécio, como o ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, agora candidato a Ministro da Fazenda, e um dos economistas mais respeitados do mundo. Mas, se esta equipe já considerou que 7% do PIB era dinheiro demais para educação no final de seu mandato, por que agora estariam comprometidos a cumprir os 10 %, se o aumento dos gastos públicos contradizem suas próprias bandeiras de campanha?

Não vou dizer que os tucanos não cumpririam, nem que estão errados em não cumprir, é uma proposta diferente apenas. Mas o PNE é uma causa importante pra mim (e muito mais importante para pessoas que vivem dela, como a Campanha Nacional pelo Direito à Educação), e se já não foi fácil convencer o Mercadante, que tanto teria a ganhar com a promoção do PNE, imagine o trabalho com quem teria que promover uma política desenvolvida durante o governo adversário?

Como é praxe pra marcar uma gestão, Aécio precisa de políticas públicas com a sua bandeira. Isso é do jogo. O problema é que só principal projeto de Aécio, o Mutirão de Oportunidades, já custaria mais que o orçamento do MEC inteiro. A intenção é bacana, recolocar 15 milhões de pessoas na escola, mas não diz, por exemplo, onde toda essa galera vai estudar ou quanto vão ganhar os professores desse pessoal todo - pensa, se colocarem 50 alunos por sala, dá pelo menos 300 mil turmas - e isso tudo não é barato.

Veja, é uma questão de perspectivas diferentes, não vou entrar no mérito de uma ser melhor que a outra, não sou especialista no tema. Mas prefiro a primeira porque, se vamos investir boa parte da arrecadação do país em educação, acho melhor a proposta que reuniu mais especialistas. A aposta é importante pro país, vença quem vencer: considerando as projeções da "pirâmide etária" da população brasileira, ou nos especializamos para continuarmos produtivos quando envelhecermos, ou não vai ser mais possível pagar a previdência social pra todos os futuros (merecidamente) aposentados.

Aqui mais detalhada, essa lógica segue de forma similar para outras políticas públicas. Não entro no mérito de questões mais ideológicas, parto para a análise de uma política em que, como a maioria dos eleitores , estou na condição de leigo. É assim que eu voto. Seja em Dilma ou em Aécio, espero que seu voto siga uma linha similar, desprezando boatos.

Que em 2018, a essa hora, a gente possa estar votando em candidatos nos quais acreditamos, se possível , mais independentes que os dois que ora se enfrentam. Quem sabe eu esteja votando em você ou em algum conhecido nosso. Mas que, definitivamente, o que pese na análise dos nossos votos seja a análise das propostas dos candidatos, da ideologia de seus partidos, e não aspectos negativos da vida pessoal de cada um, enfatizada por seus marqueteiros e por sua mídia de apoio.

E que, seja qual for o resultado, que os eleitores adversários se respeitem. Não há vencidos e vencedores, por que o barco segue com todos dentro, felizes ou não.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Quando é que a gente vai debater política?

"- O senhor poderia me dizer, por favor, qual o caminho que devo tomar para diante daqui?
- Isso depende muito de para onde você quer ir.
- Não me importo muito para onde.
- Então não importa o caminho que você escolha.
- Contanto que dê em algum lugar...

Não importa se você se sente no país das Maravilhas ou dos Pesadelos, diante da urna estará como Alice e o Gato. Sem uma posição segura sobre pra onde devemos ir, escolhemos entre teclar 13 ou 45 para evitar a alternativa que desprezamos. Ainda podemos teclar 69 para evitar promover qualquer das duas, mas com a certeza de que, apesar do protesto, vamos acabar seguindo por um dos lados.

Se a princípio o caminho que queremos seguir não é tão certo, a repulsa ao oposto é tão absoluta que nos faz agarrar desesperadamente a opção restante. E aí a gente vota tão influenciado pelo personalismo, com uma idolatria tão infantil, que parece acreditar que Dilma ou Aécio governariam sozinhos todos os seus ministérios e secretarias e ainda liderariam bancadas no Congresso. Deve ter gente achando que vai ser atendido pela pessoa em quem votou quando for a um posto de saúde ou escola pública.

As já corriqueiras briguinhas de Facebook são forte sinal disso. É uma cultura tão enraizada que chegou aos debates presidenciais televisionados, nos quais os candidatos se vangloriam e se acusam sobre seus governos como se fossem os únicos responsáveis por tudo que aconteceu durante as gestões que chefiavam.

O flagrante desrespeito com os servidores públicos, cujo trabalho continua dia a dia a despeito de quem sejam os eleitos, produzindo as estatísticas tão divulgadas no horário político, não é o único inconveniente dessa cultura política tão birrenta.

As orientações do marketing político - de quem entende muito de imagem, mas pouco de política, e parece evitá-la - são cada vez mais estúpidas. Num esforço para incentivar a gritaria fanática e acrítica das redes sociais, atiçam seus clientes a arriscarem seu tempo de TV em um "nocaute retórico", fazendo do debate uma rinha de denúncias a seus adversários e expondo pessoas próximas, repetindo velhas críticas insistentemente em cada um dos minutos tão suadamente negociados em alianças contraditórias.

Já no plano social, por outro lado, a estratégia é não contrariar consensos. Quanto mais gente concorda com uma questão, menos ela tende a ser questionada por presidenciáveis. Com alto risco eleitoral, é difícil que as candidaturas abordem claramente a ampliação de direitos civis, ainda que estas violações impeçam a plena cidadania de grande parte dos brasileiros.

É até risível como essa postura conservadora foi vendida pelas três principais campanhas como uma forma de "mudança". Não se engane, meu caro, não há político capaz de mudar o país sem nem mesmo tentar mudar a nossa cabecinha de vento. 

E, no fim, o mais importante, que é o debate sobre políticas públicas, a política que impacta diretamente a vida das pessoas, fica negligenciado. O tema é considerado complexo demais, talvez pela incompetência dos técnicos de ambos os times, que são capazes de convencer bancas acadêmicas de que possuem a solução para o país, mas não conseguem explicá-las para as pessoas que precisam dessas soluções.

Como consequência, não nos esforçarmos para entender o funcionamento dos programas que os candidatos nos propõem, não avaliamos a perspectiva sobre os problemas que cada um deles oferece, nem observamos a forma como pretendem viabilizar suas propostas. Ainda que quiséssemos, nem recebemos informação pra isso.

Só sabemos da vida pessoal dos candidatos, sobre isso, temos notícias de sobra. Daí, como falíveis somos todos, a equivocada conclusão de que são iguais é inevitável, mesmo que representem projetos absolutamente diferentes.

domingo, 16 de março de 2014

Perfil - Como é a vida do autor de mortes falsas?

Ele empenha toda a sua energia na cobertura da morte de Michael Schumacher, anunciada ao mundo antes de qualquer comunicado do hospital, assessores e familiares. Uma verdadeira proeza e exemplo de profissionalismo.

Mas afinal, quem é esse que dedica parte do seu tempo para noticiar o falecimento de famosos que por acaso ainda estão vivos?

Seu trabalho de checagem é elaborado. Impressiona pela complexidade. Trata-se de um raciocínio lógico: foi internado, então morreu. Está em coma: luto. Cabelo branco: uma grande perda.

Depois desse trabalho árduo, manda e-mails, coloca a notícia nas redes sociais e só espera a repercussão. São milhares de compartilhamentos, comentários, até que alguém lá embaixo na timeline avise “peraí, galera, o cara tá vivo!”. Mas não tem problema. Amanhã ele publica a notícia de novo. 

Lutou bravamente contra o centenário de Oscar Niemeyer e o fim do mandato de José Alencar. Já enterrou José Sarney, Jô Soares, Cid Moreira e Roberto Bolaños.

É o único autor de obituário que precisa publicar uma errata, direito de resposta ou “outro lado”, que neste caso, não é o lado da morte. É o lado de quem não morreu e não gostou muito dessa brincadeira de ficar sabendo pela internet que passou dessa para uma melhor (ou vai saber...).

Dono de um currículo invejável é também fotógrafo de mão cheia (não me pergunte de que). Tirou fotos exclusivas dos cadáveres de Osama Bin Laden e de Paul Walker, instantes depois da execução e acidente, respectivamente. Tratou de publicá-las depois dos acontecimentos, sem censura, para todo mundo ver o que só ele viu.

Em tempo: ele lamenta profundamente o uso inadequado de seus furos jornalísticos em golpes na internet. Links maliciosos com vírus costumam ser colocados nas fotos de ídolos recém-falecidos. Um absurdo. Afinal, estragam todo o trabalho de apuração que teve para escrever sobre as causas de morte de quem ainda respira. Perde toda a credibilidade.